terça-feira, 26 de abril de 2011

Tu



Tu que anseia por algo que virá,

te contorces de pressa pelo que ocorrerá,

faz do seu breve presente um futuro a esperar

não vês que o sol que se pôs hoje jamais há de voltar?


Tu que refestela na desgraça alheia

e sorri enquanto o mundo se rateia

tolo és por não ver que do vizinho, a centelha

perpassa o muro e tua amada casa incendeia


Tu que sonhas com amores vultuosos e apaixonantes,

que caças loucamente torpores e flores destoantes

amarra-se com afinco em sentimentos dissonantes

terás, no fim, o choro dos mais enganados amantes


Tu que deixas o vil ciúme lhe corar o rosto

e faz conjecturas de suspeitas ao que nunca é posto

Não vês que perdes o tempo e o mais fino gosto

do sorriso de teu amor, sincero e sem desgosto?


Tu que te irritas com procelas pequenas

Faz tempestades por brisas amenas

Verás um dia, depois das novenas

que sozinho estás, sem dós nem penas



soares


arte: Banksy

EU


Eu que me vejo

Eu que desejo

Eu que Narciso

Eu que juízo

Eu que castigo

Eu que anseio

Eu que ensejo

Eu que me beijo

Eu que desejo

Eu que me tenho

Eu que me lenho

Eu que me cenho

Eu que me leio

Eu que Narciso

Eu que me beijo

Eu que me vejo



soares



tela: Contemplação, Erika Baptista, 12/11/2009

Nada





recuso o ardor da palavra

o torpor de termos

o êxtase de quem lavra

flores belas nos ermos


recuso o falar erudito

a nevrose contundente

o mistério e o mito

o pensamento ardente


recuso o calor

recuso o frio

recuso o fulgor

recuso o tardio


mas aceito o amor, simplório e terno

dotado de liberdade, sem protocolos

como mães que tem em seus colos,

ao ver seus filhos, um regozijo interno


soares


tela: Erika Baptista, 2010