quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

LEVE




Leve-me pra longe
longe, pra lá onde o homem não bica
bica, bica e fere de graça
graça que dói, que quer machucar e nunca fica

Leve-me pra onde
onde quem não compreende não ofende
ofende que dói e não passa
passa que fica, nunca se esvai, se estende

Leve-me pra lá
lá em que o sustenido afina
afina e nunca engrossa
engrossa só o amor de menina

Leve-me pra longe
longe, pra bica onde o homem não lá
lá, lá e graça de fere
fere que dói, que nunca fica e quer machucar


Soares

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Simonia da Alma


aos que gostam da dificuldade

do ler e não entender

odeiam dos versos a humildade

preferem o nada saber


aos de bicos altivos, elevados
vaidade quisera medir
subversivos, pacóvios lustrados
castelos de areia, prontos a ruir

aos de ouvidos desatentos
de olhos cegos, sem luz
fazem dos próprios desentendimentos
sua lástima, sua cruz

eu, pequeno, nada sei
mas em tudo repulso a vaidade
o bobo da corte faz rir o rei
amo em primazia a simplicidade


soares

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Introspecção

aqui ou acolá

no recôndito, silêncio

clama forte, a pulso que está

a quietude, o abstêmio


das palavras

soltas, inventadas

malatravas

criativas, elevadas


fica só, pensamento

ruminando o escutado

livre ou preso, julgamento

refletindo, observado



Vinicius Soares

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Asno



um morro e um sol
um jumento a empacar
o dono e o serol
o jumento a apanhar

"Tu tens exemplos triunfantes,
a eles deves seguir!
Teu avô ao Salvador carregou galopante,
teu primo veio ao profeta advertir!"

"Como assim não queres andar?
Tenho eu que espancar-te mais?
Não vês que estás a sangrar?
Não sente dor em teus ais?"

Do canto do bode à tragédia
redundância salpicada de riso
satírica, a divina e boa Comédia
acha gracejo só quem já tem o siso

o jumento parado, surrado
o dono surrando, esgotado
o sol amarelo, encantado
com o embate na Terra travado

para gosto do povo cego e cru
seguidores do "final feliz"
o jumento voa, vira um anú
nada devo à histórias infantis

da imaginação ao absurdo
do pitoresco ao surreal
o jumento-anú esmurrado e surdo
faz-se como era para ao dono ser leal

vem de tempos os contos de aflição
novos ventos eu não trago, nem intento
já dizia o velho sábio ermitão:
ai de quem nasce para ser jumento





Vincius Soares

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Verve





quero o frescor da pimenta
a vida intensa, o verso visceral
quero o torpor da tormenta
a lida terna, a rima substancial


haverá quem não receia tremer

diante da verdade interior?
vejo os pacóvios tentando esconder
as facetas internas, salutar pavor


das praças conclamo todas as gentes

aos bailes onde só há faces lisas
onde máscaras no ostracismo, entrementes
fulgorosos pensamentos cativa


os de pensar óbvio e raso, deixo-os esperar

como também os de pronto a concluir
convidados estão, oh amantes do indagar
a perscrutar os segredos que hão de vir


no clangor tempestuoso da revelia

quero só os de voz nula
ouvidos atentos, escuta em maestria
quero lá só os de alma nua


mas se o desfrute da erudição

ao tolo parece sedutor
deixo-o regurgitar ante todos a satisfação
de quem crê ser das coisas entendedor



Soares

sexta-feira, 9 de julho de 2010

o dândi



Não há quem se prenda em vão
Nos laços atados do sol
Creio que o nefasto receio da solidão
Faz o peixe beijar o anzol

O medo de si, do divagar
É espadim fervente
O refletir corta a alma, devagar
Ai, dos de pensar latente

Eis a maldição dos que tem pela arte a paixão
A erudição não é dom de todos
Se és sábio, és ermitão
Ou és culto, ou és tolo

Quanto a mim, flâneur que sou a contento
Priorizo o abster-se freqüente
Melhor é amasiar-se com o vento
Do que ser cercado de gente






Vinicius Soares





ps.: dedico ao Prof Fernando Monteiro de Barros, a quem muito estimo

terça-feira, 27 de abril de 2010

Pensamentos


Vidas Secas

Papagaio quieto é papagaio morto


Canção do Exílio
Pica-paus são presos em gaiolas de ferro


Natal
estrela brilha para os ricos, anjos cantam para os pobres


Roupagem
A metáfora é a coragem vestida de pelúcia


Grito
A pretensão é a coragem com crise existencial


Canção do Exílio II
Ninguém se mete com as pipiras


Pesca
Tolice é peixe, muitos há, morrem todos pela boca


Narciso
Todos amam o próximo refletido no espelho


Influência
Filho, isso aqui é Quintana! Volte aos seus desenhos...



Vinicius Soares


haja luz


Deus criou o fogo
nós, as fogueiras
Deus criou os santos
nós, os mártires
Deus criou os pássaros
nós, as gaiolas
Deus criou a beleza
nós, a vaidade
Deus criou a voz
nós, o grito


Deus nos criou
nós, nada



Vinicius Soares

inconstância

as loucuras, as mazelas
os rubores das donzelas
todo tipo de agrura
a moral nunca perdura


os castelos, a nobreza
o conceito de beleza
todo tipo de agrura
a moral nunca perdura


o silêncio, a gritaria
a lástima, a euforia
todo tipo de agrura
a moral nunca perdura


o que era sacro, o que é covil
o que é pia, o que era vil
todo tipo de agrura
a moral nunca perdura



(...)
a moral nunca perdura



Vinicius Soares


ps. dedico à Prof Lília Mariano, exímio exemplo

Paixão


Longe vá meu amor

Quando for nunca se esqueça,

mesmo que eu nunca mereça,

um pedaço de torpor


Longe vá meu amor

Ainda que erguida a cabeça,

doravante se apeteça,

de minhas juras de fulgor


Longe vá meu amor

Espero que jamais careça

de um abraço que lhe aqueça

ou de um beijo com ardor


Longe vá meu amor

Que minha dor mui lhe pareça,

me atrelo à caleça,

fico só, ao sol se por



Vinicius Soares

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Dogma e Samba (MPB)



Quem foi que disse que a alegria

se faz presente na heresia?

Quem foi que disse que o riso solto

é o vil caminho de ruas largas para o calabouço


Seja pirata, seja ermitão

Um dogmata, um folião

Seja eufórico, seja inerte

Um metódico, um que reverte


(refrão)

Quem foi que disse que o samba é bode?

Que pra ser santo, sambar não pode?

Quem foi que disse que em meio à ode,

o navegante vê uma procela e não se sacode?


Vinicius Soares

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Cantiga da Humanidade

a vontade
o desejo
a vaidade
o ensejo


a liberdade
o gracejo
a castidade
o cortejo


a verdade
o solfejo
a necessidade
o lampejo


a maldade
o sujo Tejo
a crueldade
o falso beijo


a má vontade
o mau desejo
a vil vaidade
o tosco ensejo



Vinicius Soares

Procissão

vai lá vai
segue o cortejo
pelas ruas grita, sai
letargia é teu desejo


com as outras vai
é a sina de maria
vai lá vai
seja noite, seja dia


vai lá vai
opinar não é seu forte
com as outras vai
teu futuro é pura sorte


"maria, maria, maria
uma gente que ri quando deve chorar
e não vive, apenas aguenta"



Vincius Soares


ps.: vali-me de um trecho de Maria Maria de Milton Nascimento e Fernando Brant

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Só riso

"Daqui nada se leva"
disse o palhaço à menina
"tudo passa, tudo é névoa,
só fica a alma, a surdina"

"O que fazer então?"
perguntou a pequenina
"O meu riso é solidão,
essa é minha triste sina"

"Sorria de tudo o que ver"
disse o colorido animado
"Tem coisas lindas a saber"
o trivial é deveras engraçado

Puseram-se a rir, os dois, em grande estilo
a guria aprendera a lição
sorriram do nada, sorriram do tino
há maior alegria que o livre arbítrio do coração?

Daí é que a coisa intriga
a quem tem a carranca sisuda
quem nunca sorri na vida
fica com o farnel de dores, fardo que não muda



Vinicius Soares

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

paráfrase do salmo 23

André Coelho

O Senhor é meu pastor, o meu único pastor, e nada, nem o bem, nem o mal, nem felicidade, nem tristeza, nem vitórias, nem derrota – nada – me faltará.

Ele me conduz a alma para o descanso, como se eu estivesse junto de campos verdes e fontes de água limpa.

Nos dias quentes, o Senhor refresca a minha alma; nos dias de dor, me consola; nos dias de angústia, me renova as esperanças.

Por amor do seu nome, ele me conduz por caminhos nos quais posso conhecer a justiça.

Há um vale escuro, como se fosse a sombra mais escura, a sombra da própria morte. Nesse vale, por entre os montes, há perigos e males terríveis. Porém ainda que eu ande por esse vale na minha vida, não terei medo dos males que esperam por mim, porque tu, Senhor, estás do meu lado, mostrando por onde seguir.

Quando eu vacilo ou resolvo tomar por conta própria um caminho diferente, o teu bordão me repreende e me traz de volta à trilha na qual nunca estarei sozinho. Quando me machuco nas pedras ou espinhos dos caminhos, o teu cajado me dá consolação e conforto.

Quando os homens que me odeiam, porque não te conhecem, zombam de mim, tu me alimentas com um banquete espiritual e perfumas a minha alma com as mais puras essências.

Por todas essas coisas, eu tenho certeza de que a tua bondade me seguirá todos os dias da minha vida, quando eu estiver bem, ou quando estiver machucado. Também sei que, quando eu vacilar, a tua misericórdia será comigo.

Assim serão todos os meus dias daqui pra frente: como se eu habitasse na própria casa do Senhor. Assim será hoje, amanhã e depois de amanhã.

Só de estar em tua companhia,
meu coração já começou mudar.
Passei a ver aquilo que não via,
tua presença vai me transformar.
(Gerson Borges - Tua Presença Vai me Transformar)

Belém, Pará
03 de janeiro de 2010