quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Asno



um morro e um sol
um jumento a empacar
o dono e o serol
o jumento a apanhar

"Tu tens exemplos triunfantes,
a eles deves seguir!
Teu avô ao Salvador carregou galopante,
teu primo veio ao profeta advertir!"

"Como assim não queres andar?
Tenho eu que espancar-te mais?
Não vês que estás a sangrar?
Não sente dor em teus ais?"

Do canto do bode à tragédia
redundância salpicada de riso
satírica, a divina e boa Comédia
acha gracejo só quem já tem o siso

o jumento parado, surrado
o dono surrando, esgotado
o sol amarelo, encantado
com o embate na Terra travado

para gosto do povo cego e cru
seguidores do "final feliz"
o jumento voa, vira um anú
nada devo à histórias infantis

da imaginação ao absurdo
do pitoresco ao surreal
o jumento-anú esmurrado e surdo
faz-se como era para ao dono ser leal

vem de tempos os contos de aflição
novos ventos eu não trago, nem intento
já dizia o velho sábio ermitão:
ai de quem nasce para ser jumento





Vincius Soares

3 comentários:

Lília Marianno disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lília Marianno disse...

Ai de quem, amigo, ai de quem mesmo!
Gostei! Um beijão.

Monique Hardoim disse...

Gostei amigo!

Como seus poemas mudaram, gostei mais desse ainda!

beijos